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44. "Kardecista" é um termo redundante?

Allan Kardec, ao ser confrontado por um visitante que o referenciava como o criador de um sistema filosófico – conforme relatado na obra O que é o Espiritismo – enfatizou que o Espiritismo tem auxiliares de maior preponderância, e que ele, se comparado a esses auxiliares, seria apenas um átomo. Dessa forma, Kardec reafirma que o espiritismo é uma doutrina originária dos Espíritos e não de um homem (referindo-se a si próprio), e adverte que, nesse caso, jamais se poderia dizer: a doutrina de Allan Kardec.

Imagem colorida e de alta resolução de Allan Kardec, com um fundo escuro semelhante a uma lousa escolar. A imagem destaca o retrato de Kardec em um estilo detalhado e nítido.
"Kardecista" é um termo redundante?

Afinal, por que os termos kardecista e espiritismo de mesa branca são usados atualmente? Existe um kardecismo ou diferentes tipos de espiritismo?



NEOLOGISMOS CRIADOS POR KARDEC


O patriarca do espiritismo criou uma série de neologismos – tais como espiritismo, espíritas, espiritistas, perispírito, dentre outrospara que estes termos pudessem expressar uma ideia nova e assim, não serem confundidos com as ideologias em voga, a exemplo do espiritualismo moderno.


Esses vocábulos podem ser mais facilmente encontrados a partir de 18 de abril de 1857, data de lançamento de O Livro dos Espíritos, momento este que marca o nascimento do espiritismo na França.


Porém, aqui chamamos a atenção para o ano de 1854, em especial para o livro The Spirit-Rapper, do americano Orestes Augustus Brownson, que anterior ao lançamento da obra primeira de Allan Kardec (1857), já trazia termos semelhantes ao adotado pelo codificador francês. Ao total são 9 menções ao termo spiritists e 15 para spiritualists.


Para aprofundarmos nossa compreensão, analisemos o trecho a seguir (p. 311) da obra supracitada de Orestes Augustus Brownson, com destaque para os termos em negrito.

The Spiritualists or Spiritists do not deny they assert that the manifestations they witness are strictly anal ogous to the class of facts which have been always re garded as Satanic At first the spirits communicated by rapping and moving furniture But now besides rapping mediums there are writing mediums seeing mediums and speaking mediums.

Os espiritualistas ou espíritas não negam, eles afirmam que as manifestações que testemunham são estritamente análogas à classe de fatos que sempre foram considerados satânicos. No início, os espíritos se comunicavam batendo e movendo móveis. Mas agora, além de médiuns que batem, há médiuns escreventes, médiuns videntes e médiuns falantes.


Em 1854, havia nos Estados Unidos uma onda espiritualista em ascensão, devido aos últimos acontecimentos de Hydesville (iniciados em 1844, ganhando maior amplitude em 1847 com a chegada da família Fox).


Observando o texto acima (The Spirit-Rapper) iremos constatar que os vocábulos spiritualists or spiritists (espiritualistas ou espíritas) eram equivalentes em seu significado, tidos na época como sinônimos. Ou seja, na língua inglesa, em meados de 1854, as palavras espiritualistas e espíritas possuíam o mesmo significado, conceito ou definição.


Essa onda espiritualista passou da América do Norte para a Europa, fase esta em que surgiram as primeiras notícias sobre as mesas-girantes nas terras do velho mundo. Através das mesas-girantes, como bem sabemos, surgiu o Espiritismo (vide questão 01).


Ao leitor atento, será possível perceber que as ideias de comunicação entre os dois planos já eram anteriores a Kardec, sendo estudadas e observadas por diversos outros autores e pesquisadores ao longo dos milênios.


Com isso, ao começar seus estudos sobre os fenômenos em questão, Allan Kardec (que era fluente em diversos idiomas, inclusive o inglês) teve a oportunidade, acreditamos nós, de perceber a similaridade dessas palavras e, sabiamente, ao escrever em sua língua nativa, criou neologismos – adaptando-os para o francês –, dando-lhes um significado mais específico, justamente para que não houvessem erros de interpretação quanto aos conceitos apresentados ao longo de suas obras.


Sim! Kardec criou termos novos – em francês – para especificar conceitos próprios. Mas qual a origem etimológica desses vocábulos em análise? Atentando ao radical – em negrito – dos termos inicialmente em inglês, poderemos verificar de onde, provavelmente, cada palavra foi originária. Exemplos:


  • Spiritist (inglês) e Spirites (francês)

  • Spiritualists (inglês) e Spiritualistes (francês)


Não é de se admirar que o filho de Lyon, ao perceber a imprecisão na qual os termos originários eram empregados em solo americano, passou a dar-lhes um significado mais claro e definido, diferenciando os termos já existentes na língua inglesa dos seus neologismos adaptados para o francês.


Desse modo, asseverou sabiamente que todo espírita era espiritualista, mas nem todo espiritualista era espírita.


Aos espíritas mais ortodoxos, essas informações podem não ser muito bem-vindas. Mas calma, isso não tira nenhum mérito do exímio codificador. A língua está em constante transformação e é natural que ela se modifique e vá ganhando novas grafias e significados. Salvo raríssimas exceções, todas as palavras que conhecemos hoje tem sua raiz etimológica em alguma outra, a exemplo do vocábulo perispírito que é formada pela junção dos elementos peri (prefixo grego que significa em torno de ou ao redor de) e spiritus (palavra latina que significa espírito, sopro, alma) – resultando em um termo que significa, literalmente, em torno do espírito ou envoltório do espírito.



ESPÍRITAS KARDECISTAS


Ao longo de toda codificação, encontraremos uma única menção – Revista espírita de 1865 – ao termo kardecista. No artigo intitulado Partida de um adversário do Espiritismo para o mundo dos Espíritos, o então padre (o adversário) recém-desencarnado ao ser evocado por Allan Kardec, ressalta: '"Já se operaram divisões entre vós. Existem duas grandes seitas entre os espíritas: os espiritualistas da escola americana e os espíritas da escola francesa. Mas consideremos apenas esta última. Ela é una? Não. Eis, de um lado, os puristas ou kardecistas, que só admitem uma verdade depois de um exame atento e da concordância com todos os dados;"


Após a comunicação do padre, Kardec disserta sob as diversas objeções destacadas pelo recém-desencarnado, clarificando ponto a ponto as questões levantadas. Contudo, há uma delas que o codificador não chegou a refutar, nesse caso, nos referimos aos termos puristas ou kardecistas manifestado pelo pároco.


Sabemos bem que Kardec priorizava o uso correto das palavras (para evitar dúvidas ou ambiguidade), e nesse caso, não havendo contestação direta por parte do autor, compreendemos que o codificador da doutrina aceitou a definição do termo kardecista ou purista para representar os espíritas que só admitem uma verdade depois de um exame atento e da concordância com todos os dados.


O vocábulo kardecista, desse modo, não entra em contradição com a fala anterior de Kardec – encontrada em O que é o Espiritismo –, ao advertir que jamais poderíamos nos referir ao espiritismo como a doutrina de Allan Kardec. De fato, a doutrina tem como origem os ensinos dos Espíritos, sendo Kardec o seu fiel codificador, o bom-senso encarnado, segundo os dizeres do astrônomo francês e autor espírita, Camille Flammarion.


Não se contradiz, pois o termo kardecista aqui exposto não infere que a doutrina seja de Allan Kardec, criada por ele, sendo obra de um homem encarnado, mas sim, como uma definição mais específica dentre os diversos tipos, graus ou variações de adeptos do Espiritismo.


O kardecista é, portanto – seja na época de Kardec, como na atualidade –, aquele que segue o modus operandi ensinado pelo codificador, isto é, aquele que adota uma postura cautelosa em relação à aceitação das variadas informações fornecidas pelos Espíritos e os demais autores/pesquisadores (encarnados e desencarnados).


O modus operandi usado por Kardec, ou melhor, o seu método científico, popularmente conhecido como Controle Universal do Ensino dos Espíritos, se baseia na universalidade das informações.



DIFERENÇAS ENTRE CADA TERMO


Vale recordar que até recentemente os censos demográficos realizados pelo IBGE – e algumas outras pesquisas – compreendiam as religiões e doutrinas de cunho espiritualistas (ou mediúnicas) como partes de um todo. Ao se declarar espírita, o indivíduo tinha de descrever – em seguida – a qual categoria pertencia, se era espírita kardecista ou de mesa branca, umbandista, candomblecista, etc.


Nós dias atuais ainda há quem confunda, por falta de conhecimento ou má vontade, as religiões e doutrinas mediúnicas. Para estes o espiritismo e os demais segmentos espiritualistas formam – ou são – uma única vertente.


Ilustrando esta explanação, podemos citar as livrarias ou sites de livros que, ainda na atualidade, vendem sob o letreiro obras espíritas uma infinidade de títulos pertencentes a outras denominações mediúnicas, incluindo temas como magia, bruxaria, simpatias, esoterismo, teosofia, etc. Tais representantes comerciais, assim como a grande parcela da população, enxergam o espiritismo e as demais religiões mediúnicas como partes de um mesmo pacote, sendo a nomenclatura espírita escolhida para representar todos esses segmentos.


Desse modo, tudo indica que, pela herança cultural, os termos kardecistas e espiritismo de mesa branca passaram a ser utilizados – com mais frequência no Brasil, perdurando até os dias atuais – para distinguir o espiritista (adepto do espiritismo) dos demais seguidores de outros segmentos, como o próprio espiritualismo, a umbanda, candomblé, etc. Nesse contexto, a expressão kardecista ganha sentido diverso – e mais abrangente – do significado original.


De modo sucinto, o espiritismo puro não tem nenhuma ligação com cartas de tarô, búzios, trabalhos de amarração amorosa, de feitiçaria, simpatias, adivinhações, aberturas de caminho, imolação de animais ou cobranças de qualquer espécie. Todas essas práticas não são condizentes com a doutrina espírita, bem como as diretrizes deixadas por Kardec ao longo das suas obras.



QUEM É QUEM?


Espírita ou espiritista é todo aquele que concorda ou simpatize com, pelo menos, uma parte dos princípios fundamentais do espiritismo, tais como: existência de Deus; imortalidade da alma; reencarnação; pluralidade dos mundos habitados; comunicação com os Espíritos; lei de causa e efeito; etc.


No último capítulo (Conclusão) de O Livro dos Espíritos, Kardec classifica os espíritas, dividindo-os em três classes ou graus, sendo:


  • ESPÍRITAS EXPERIMENTADORES - PRIMEIRA CLASSE

São aqueles que acreditam nas manifestações dos espíritos e se limitam a comprová-las. Para esses, o Espiritismo é essencialmente uma ciência experimental. Estão interessados nos fenômenos mediúnicos e buscam evidências concretas da existência e comunicação dos espíritos.


  • ESPÍRITAS IMPERFEITOS - SEGUNDA CLASSE

São os que percebem as consequências morais do Espiritismo e entendem que os ensinamentos dos espíritos têm implicações éticas e comportamentais. Em outras palavras, são os simpatizantes da filosofia espírita. No entanto, embora reconheçam a importância da moral espírita, ainda não a praticam de forma completa ou constante.


  • ESPÍRITAS VERDADEIROS OU CRISTÃOS - TERCEIRA CLASSE

São aqueles que não apenas compreendem e aceitam as consequências morais do Espiritismo, mas também se esforçam por praticar essa moral em suas vidas (transformação moral). Esses espíritas aplicam os ensinamentos de caridade, amor ao próximo, humildade e reforma íntima em sua conduta diária.


O Kardecista ou purista, isto é, aquele que só admite uma verdade depois de um exame atento e da concordância com todos os dados, tendo como modus operandi o método científico ensinado por Kardec (Controle Universal do Ensino dos Espíritos), pode estar associado a qualquer uma das classes ou graus acima.


Em suma, espírita ou kardecista é o adepto do espiritismo, doutrina codificada por Allan Kardec; assim como, os umbandistas são os que seguem a umbanda; candomblecistas os que são partidários do candomblé; quimbandeiros os adeptos da quimbanda; daimistas os que seguem o santo daime; catimbozeiros os sectários do catimbó; etc.


Todos esses segmentos possuem a mediunidade como ponto em comum, mas apesar de qualquer similaridade que eventualmente possa existir, cada religião ou doutrina acima descrita é única no seu modo de proceder ou, ainda mais claro, são diferentes entre si.



TERMO REDUNDANTE?


Com o advento do Espiritismo no Brasil, ainda em meados do século XIX, diversos grupos espíritas surgiram, impulsionados pelas notícias e relatos das mesas-girantes na Europa e pela difusão das ideias espíritas nos jornais da época. Estudos históricos sobre os grupos espíritas recém-formados revelam uma diversidade de pensamentos e práticas peculiares a cada um deles. Havia grupos que se interessavam apenas pela parte experimental do espiritismo; outros se dedicavam exclusivamente à prática da caridade; alguns não viam necessidade no uso da prece; enquanto outra parcela considerava que a comunicação com os Espíritos não era mais necessária...


Tais divergências de interpretações ainda perduram na atualidade, o que fez com que a parcela dos espíritas que zelam pela pureza doutrinária das obras e ensinos de Kardec, isto é, aqueles que seguem o método científico proposto pelo codificador, só admitindo uma verdade depois de um exame atento e da concordância com todos os dados, passasse a usar o termo kardecista de forma explícita e proposital, a fim de se distinguirem dos adeptos do espiritismo à brasileira (os espíritas que não seguem o controle das informações ensinado e adotado por Kardec).


Além disso, devido a inúmeros fatores como o sincretismo religioso e os preconceitos enraizados em nossa cultura, a doutrina dos espíritos – codificada por Allan Kardec – é sempre vista de forma generalizada, como se abrangesse uma gama de outras doutrinas e religiões mediúnicas, mesmo não tendo nenhuma similaridade em seu modo de atuação com essas demais vertentes. Desse modo, a expressão kardecista também é usada – no Brasil – para representar o adepto do espiritismo (seja ele pertencente a quaisquer uma das classes ou graus expostos pelo codificador), distinguindo-o dos demais partidários de outros segmentos, como umbanda, candomblé, etc.


Sendo assim, não há nenhuma redundância ao usar o termo kardecista para se referir a alguém que é adepto do espiritismo dentro desses contextos apresentados.


Ainda hoje esse tema gera bastante efervescência entre os espíritas de diversos graus, porém, desde que pautados no respeito e no amor, todos os estudos acerca desse tópico são válidos.



COMPARAÇÃO ENTRE OS TERMOS | EN - FR - PT

KARDEC CRIOU O TERMO MÉDIUM?

CONTROLE UNIVERSAL DO ENSINO DOS ESPÍRITOS

ATUALIZAÇÃO DAS OBRAS DE KARDEC?




 

Texto extraído do livro Mediunidade com Kardec de Patrick Lima.

Capítulo 4: O Médium e a Casa Espírita

Pergunta 44: "Kardecista" é um termo redundante?

Como citar: LIMA, Patrick. Mediunidade com Kardec. Poverello Edições, 2023. 1ª ed.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. FEB Editora, 2016.

BROWNSON, Orestes Augustus. The Spirit-Rapper. Hardpress Publishing, 2020.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB; 93ª edição. Rio de Janeiro, 2014.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. 21ª edição. Editora Boa Nova, 2017.

KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos – outubro de 1865. Tradução de Julio Abreu Filho. Edicel, 1ª edição, julho de 2002.

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