Eternizado pelo apóstolo Mateus, o dai de graça o que de graça recebestes é uma das principais orientações morais descritas no evangelho de Jesus. (Mateus 10:8)
Todo aquele que, atentamente, examina a vida e os ensinamentos do Mestre Nazareno encontra uma orientação segura quanto à gratuidade da mediunidade. Afinal, qual era o valor que Jesus cobrava para curar ou ajudar os que lhe procuravam? Como bem sabemos, o Cristo nunca cobrou por seus atendimentos ou jamais esperou receber algo em troca.

Por conseguinte, Allan Kardec, sob a supervisão dos Espíritos superiores – dentre eles o Espírito da Verdade, Jesus Cristo –, nos elucida sobre a gratuidade da mediunidade em diversos momentos da codificação.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec destaca que os médiuns atuais – pois que também os apóstolos tinham mediunidade – igualmente receberam de Deus um dom gratuito: o de serem intérpretes dos Espíritos, para instrução dos homens, para lhes mostrar o caminho do bem e conduzi-los à fé, não para lhes vender palavras que não lhes pertencem, a eles médiuns, visto que não são fruto de suas concepções, nem de suas pesquisas, nem de seus trabalhos pessoais.
Dando continuidade, o codificador ressalta que Deus quer que a luz chegue a todos; não quer que o mais pobre fique dela privado e possa dizer: não tenho fé, porque não a pude pagar; não tive o consolo de receber os encorajamentos e os testemunhos de afeição dos que pranteio, porque sou pobre. Tal a razão por que a mediunidade não constitui privilégio e se encontra por toda parte. Fazê-la paga seria, pois, desviá-la do seu providencial objetivo.
A MEDIUNIDADE PODE SER CONSIDERADA UMA PROFISSÃO?
Ainda na referida obra, Kardec nos convida a meditar um pouco mais sobre essa temática ao indagar que a mediunidade séria não pode ser e não o será nunca uma profissão, não só porque se desacreditaria moralmente, identificada para logo com a dos ledores da boa sorte, como também porque um obstáculo a isso se opõe. É que se trata de uma faculdade essencialmente móvel, fugidia e mutável, com cuja perenidade, pois, ninguém pode contar.
Segundo o codificador, na obra em destaque, a mediunidade representaria para quem a explora uma fonte de renda extremamente instável, que pode desaparecer no momento mais crítico. Em contraste, o talento desenvolvido por meio do estudo e trabalho é uma propriedade real e legítima do indivíduo, que pode usá-lo conforme desejar. A mediunidade, no entanto, não é uma arte nem um talento, e por isso, não pode ser considerada uma ocupação profissional regular.
Kardec volta ao falar desse assunto, dessa vez em O que é o Espiritismo, afirmando que seria um erro compararmos a mediunidade a uma propriedade do talento. Para o codificador, o talento adquire-se pelo trabalho, quem o possui é sempre dele senhor; ao passo que o médium nunca o é de sua faculdade, pois que ela depende de vontade estranha.
Essa vontade na qual Kardec faz referência tem relação direta com a colaboração dos Espíritos. De acordo com o filho de Lyon, a mediunidade não existe sem o concurso dos Espíritos; faltando estes, já não há mediunidade. Pode subsistir a aptidão, mas o seu exercício se anula. Daí vem não haver no mundo um único médium capaz de garantir a obtenção de qualquer fenômeno espírita em dado instante. Explorar alguém a mediunidade é, conseguintemente, dispor de uma coisa da qual não é realmente dono. Afirmar o contrário é enganar a quem paga. (O Evangelho Segundo o Espiritismo)
MEDIUNIDADE GRATUITA
Os médiuns verdadeiramente sérios e devotados, de acordo com Kardec, quando não possuem uma existência independente, procuram recursos no trabalho ordinário e não abandonam suas profissões; eles não consagram à mediunidade senão o tempo que lhe podem dar, sem prejuízo de outras ocupações; empregando parte do tempo destinado aos divertimentos e repouso, nesse trabalho mais útil, eles se mostram devotados, tornam-se apreciados e respeitados. (O que é o Espiritismo)
Portanto, cabe ao medianeiro buscar seu sustento através dos talentos que dispõe e nunca fazendo da mediunidade o seu ganha-pão diário. Em outros termos, o médium não deve fazer do seu mediunismo uma profissão para obter lucros financeiros ou no intuito de garantir ou esperar quaisquer vantagens (presentes, favores, fama, reconhecimento, gratidão, etc).
Por fim, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec conclui o seu raciocínio ao nos advertir:
Procure, pois, aquele que carece do que viver, recursos em qualquer parte, menos na mediunidade; não lhe consagre, se assim for preciso, senão o tempo de que materialmente possa dispor. Os Espíritos lhe levarão em conta o devotamento e os sacrifícios, ao passo que se afastam dos que esperam fazer deles uma escada por onde subam.
Em suma, a mediunidade não é uma profissão e, dessa forma, por ser algo que não nos pertence de fato, deve ser sempre gratuita e de ordem coletiva. Sendo assim, não existe a profissão médium, e os que exercem essa atividade – abusando e explorando os que lhes procuram – em troca de dinheiro, favores ou reconhecimento, ou são charlatões/enganadores ou não conhecem as leis divinas e o Evangelho de Jesus.
PAGUEI POR DETERMINADO "SERVIÇO" MEDIÚNICO
Sabemos ainda que os Espíritos superiores naturalmente se afastam dos médiuns que desviam a mediunidade da sua verdadeira finalidade, ficando o medianeiro, muitas vezes, assistido por entidades inferiores, que se comprazem no mal, na ganância, na exploração e na enganação. (vide questão 18)
Os médiuns que utilizam os serviços dessas entidades (popularmente conhecidas no meio espiritualista como kiumbas) para trabalhos variados, tais como a leitura da sorte, amarrações, adivinhações, aberturas de caminhos e similares, desde a presente encarnação, já sofrem o baque originário da comunhão desditosa com esses Espíritos inferiores, sendo o seu padecimento prolongando e intensificando após o desencarne.
Ao desencarnarem, passam a ser perseguidos, escravizados, vampirizados e subjugados por esses mesmos Espíritos que outrora lhes serviam.
Aos que procuram por tais assistências: a partir do momento em que alguém busca esse tipo de serviço ou auxílio, um processo obsessivo começa a ser desencadeado paulatinamente. Ao entrar nesses espaços, o cliente – que não mede as consequências para atingir o objetivo proposto – passa a ter como companhias invisíveis, Espíritos da mais baixa estirpe. Estes, por sua vez, o acompanham de retorno à sua casa e passam a lhe sugerir ou intuir os mais diversos tipos de pensamento, causando-lhe inúmeras perturbações e infortúnios. Geralmente, preso a esses tipos de inquietações e pensamentos em desequilíbrio, o sujeito retorna ao local onde o trabalho foi realizado, para uma nova consulta. Quase sempre, o fim desses consulentes é o mesmo dos médiuns que os atenderam, conforme descrevemos acima.
Eis o real salário que essas entidades inferiores cobram para ajudar os medianeiros imprudentes a realizarem suas práticas mediúnicas pautadas na cobiça, ganância, cupidez ou qualquer tipo de maldade, assim como, daqueles que buscam por seus serviços.
MERCANTILIZAÇÃO CAMUFLADA
O autor espírita Hermínio C. Miranda, em Diversidade dos Carismas, destaca que mil e um artifícios são inventados para justificar a cobrança dos 'serviços' sem que pareça ostensivamente estarem pondo em prática uma 'feira de milagres'. Pode ser sob forma de donativos 'espontâneos' ao grupo, ao médium ou aos dirigentes, ou presentes materiais, testemunhos de reconhecimento, traduzidos em alguma forma concreta, material, e outros artifícios sutis ou mesmo não tão sutis.”
Dando continuidade ao seu pensamento, ainda na referida obra, Hermínio de Miranda conclui que mesmo que o grupo não enverede, porém, pela mercantilização aberta ou camuflada, muitas vezes permite, e até estimula, o endeusamento do médium, que assume a condição de verdadeiro e infalível guru, adota posturas teatrais e começa a vestir-se de maneira diferente, estapafúrdia, ornado de adereços, símbolos secretos e talismãs misteriosos. Isso nada tem a ver com as práticas recomendadas pela doutrina espírita. Trata-se de exercício inadequado da mediunidade.
De forma concisa, a mediunidade não é um obstáculo à vida normal, nem deve ser usada para obter vantagens financeiras ou notoriedade, sob o falso pretexto de compensar o tempo dedicado ao trabalho mediúnico.
Texto extraído do livro Mediunidade com Kardec de Patrick Lima.
Capítulo 6: Aspectos Morais da Mediunidade
Pergunta 54: O médium espírita pode cobrar ou obter ganhos financeiros por meio da mediunidade?
Como citar: LIMA, Patrick. Mediunidade com Kardec. Poverello Edições, 2023. 1ª ed.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Mateus 10:8. 14ª impressão. Editora PAULUS, 2017.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. 21ª edição. Editora Boa Nova, 2017.
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. FEB Editora, 2016.
MIRANDA, Hermínio C. Diversidade dos Carismas. LACHATRE, novembro de 2019, 9ª edição.