A obsessão, conforme expõe Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, constitui um dos mais sérios entraves à prática mediúnica, impondo desafios consideráveis, sobretudo aos médiuns que se encontram nos primeiros estágios de desenvolvimento, os quais, por vezes, ainda não dispõem da experiência necessária para reconhecer e enfrentar adequadamente esse obstáculo.
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De acordo com Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, a obsessão é a influência persistente de um espírito malévolo sobre um indivíduo. Suas manifestações variam amplamente, desde uma simples influência moral, sem sinais exteriores perceptíveis, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais.
Por apresentar características distintas, a obsessão deve ser analisada com atenção, considerando o grau de domínio que exerce e os efeitos que provoca. Sob essa perspectiva, o termo obsessão pode ser entendido como uma designação genérica para esse tipo de fenômeno, que se classifica, essencialmente, em três categorias: obsessão simples, fascinação e subjugação.
OBSESSÃO, SUBJUGAÇÃO E FASCINAÇÃO
Com base em O Livro dos Médiuns e na Revista Espírita – outubro de 1858, vejamos como o codificador distingue e apresenta cada um desses fenômenos.
OBSESSÃO SIMPLES: A obsessão é a ação quase permanente de um espírito estranho, que leva a pessoa a sentir uma necessidade incessante de agir de determinada maneira e de realizar certas ações.
A obsessão simples ocorre quando um espírito malfazejo (perturbador) se impõe a um médium, intrometendo-se, contra a sua vontade, nas comunicações que ele recebe. Esse espírito impede a comunicação com outros e se apresenta no lugar daqueles que são evocados. A obsessão, portanto, consiste na persistência de um espírito do qual a pessoa não consegue se livrar.
Na obsessão simples, o médium tem plena consciência de que está sob a influência de um espírito mentiroso (enganador), que não se disfarça nem tenta ocultar suas más intenções. O médium reconhece facilmente a felonia (malícia, maldade) e, por estar vigilante, raramente é enganado. Esse tipo de obsessão é, portanto, apenas desagradável, sem outros inconvenientes, além de obstruir as comunicações que o médium desejaria receber de Espíritos sérios ou afetuosos.
FASCINAÇÃO: A fascinação é uma forma de ilusão provocada pela ação direta de um espírito estranho ou por seus raciocínios ardilosos, que buscam confundir para induzir ao erro. Essa ilusão deturpa a percepção das questões morais, distorce o julgamento e leva a tomar o mal pelo bem.
Diferentemente da obsessão simples, na qual o médium reconhece a presença de um espírito enganador, na fascinação, a influência espiritual se disfarça com astúcia. Trata-se de uma ilusão gerada pela ação direta do espírito sobre o pensamento do médium, a ponto de, em certo grau, paralisar-lhe o raciocínio diante das comunicações. O médium fascinado não percebe que está sendo enganado: o Espírito, com astúcia, consegue inspirar-lhe uma confiança cega, dificultando-lhe perceber a mentira e a armadilha em que está envolvido, além de impedir que ele note o absurdo de suas palavras, mesmo quando esse absurdo é claro para todos ao seu redor.
Devido à ilusão que dela decorre, o espírito conduz aquele a quem se apossou como faria com um cego, podendo levá-lo a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas como se fossem a única expressão da verdade. Além disso, pode induzi-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas.
SUBJUGAÇÃO: A subjugação é caracterizada por um domínio ainda mais profundo do que na obsessão e na fascinação. Enquanto a obsessão envolve uma influência persistente e a fascinação, uma ilusão que distorce o julgamento, a subjugação é um controle mais absoluto, no qual o Espírito anula a autonomia da pessoa, forçando-a a agir de maneira contrária à sua própria vontade. Trata-se de uma ligação moral que paralisa a vontade do indivíduo, conduzindo-o a atitudes irracionais, frequentemente contrárias aos seus próprios interesses. Em outras palavras, o sujeito encontra-se sob um verdadeiro jugo.
A subjugação pode se manifestar de duas maneiras: moral ou corporal. Na subjugação moral, o sujeito é levado a realizar escolhas frequentemente irracionais, mas que ele acredita serem sensatas, devido à distorção causada pela influência espiritual. Esse fenômeno, semelhante à fascinação, impede o discernimento do médium. Já na subjugação corporal, o espírito age diretamente sobre os órgãos físicos, provocando movimentos involuntários. Em casos mais graves, esses movimentos resultam em atitudes ridículas, e, embora o sujeito tenha plena consciência do absurdo de suas ações, não consegue resistir à força que o domina.
POSSESSÃO Entre os processos obsessivos, incluem-se também a possessão e o fenômeno de poltergeist¹. Kardec acreditou por muito tempo que a possessão real não existia, considerando tais episódios como manifestações de subjugação. No entanto, após um longo período de observações, o pensador lionês revisou sua posição, corrigindo seus escritos e reconhecendo a veracidade da possessão, classificando-a como um grau ainda mais intenso do que a fascinação e a subjugação.
Essa retificação está registrada na Revista Espírita — dezembro de 1863, no relato do caso da Senhorita Júlia. Vejamos o que expôs o codificador:
“Temos dito que não havia possessos (ver LE-473, por exemplo) no sentido vulgar do vocábulo mas somente subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.”
Em A Gênese, capítulo XIV, o filho de Lyon retoma o tema da possessão², diferenciando-a da obsessão. Sobre isso, ele explica:
“Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção." Dando continuidade, conclui o mestre lionês: "De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se seu próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e age; quem o tenha conhecido em vida, reconhece-lhe a linguagem, a voz, os gestos e até a expressão da fisionomia.”
RECONHECENDO A OBSESSÃO No item 242 de O Livro dos Médiuns, Kardec afirma que a obsessão, independentemente do grau, é sempre exercida por um mau Espírito, nunca por um Espírito benfeitor. Complementando seu raciocínio, o autor enfatiza que toda comunicação transmitida por um médium obsidiado é de origem suspeita e não merece confiança.
De acordo com o codificador, no livro acima citado, podemos reconhecer a obsessão pelas seguintes características³:
Persistência de um Espírito em se comunicar, bom ou mau grado, pela escrita, pela audição, pela tiptologia, etc., opondo-se a que outros Espíritos o façam.
Ilusão que, não obstante a inteligência do médium, o impede de reconhecer a falsidade e o ridículo das comunicações que recebe.
Crença na infalibilidade e na identidade absoluta dos Espíritos que se comunicam e que, sob nomes respeitáveis e venerados, dizem coisas falsas ou absurdas.
Confiança do médium nos elogios que lhe dispensam os Espíritos que por ele se comunicam;
Disposição para se afastar das pessoas que podem emitir opiniões aproveitáveis.
Tomar a mal a crítica das comunicações que recebe.
Necessidade incessante e inoportuna de escrever.
Constrangimento físico qualquer, dominando-lhe a vontade e forçando-o a agir ou falar a seu mau grado.
Rumores e desordens persistentes ao redor do médium, sendo ele de tudo a causa, ou o objeto.
O QUE FAZER EM CASOS DE OBSESSÃO?
Allan Kardec enfatiza que são as nossas imperfeições morais que nos tornam mais suscetíveis às influências de Espíritos inferiores. Para nos libertarmos dessa condição, é essencial que busquemos o fortalecimento espiritual, o que só pode ser alcançado por meio da reforma íntima e da nossa transformação moral.
Kardec também explica que, na maioria das vezes, a obsessão nasce de um desejo de vingança. Quando um Espírito se sente prejudicado por outro — seja nesta ou em vidas anteriores — ele tenta fazer justiça por conta própria, o que pode gerar obsessões mais intensas e de difícil desvinculação. No entanto, nem todas as obsessões têm esse impulso vingativo; algumas surgem apenas do prazer em causar o mal, sem qualquer ligação pretérita ou razão moral evidente.
Quando o obsidiado não consegue, por si só, afastar a entidade obsessora, torna-se necessária a intervenção de terceiros. Nesse contexto, os médiuns espíritas que atuam em reuniões de desobsessão desempenham um papel fundamental. Com conhecimento e preparo, esses trabalhadores abnegados auxiliam no restabelecimento do equilíbrio do indivíduo, buscando desfazer os laços de influência estabelecidos pela entidade perturbadora.
Além das reuniões de desobsessão, o passe espírita se destaca como um recurso essencial no tratamento da obsessão. Envolvido por fluidos negativos que comprometem seu estado mental e físico, o obsidiado necessita dissipar essas energias prejudiciais. O passe atua como um mecanismo de reequilíbrio energético, promovendo a substituição dessas vibrações nocivas por fluidos revigorantes, favorecendo, assim, sua recuperação e fortalecimento espiritual.
Contudo, a simples dispersão das energias deletérias não é suficiente para garantir a libertação definitiva do processo obsessivo. Para que essa condição seja superada em sua totalidade, é imprescindível que o Espírito perseguidor seja esclarecido e renuncie às motivações que o levam a influenciar negativamente seu alvo. Esse esclarecimento envolve a compreensão do valor do perdão, do amor ao próximo e da necessidade de transformação moral, permitindo que ele abandone antigos padrões de pensamento e conduta para trilhar um caminho de renovação espiritual.
No caso da fascinação, contudo, a libertação torna-se mais complexa. O obsidiado, seduzido e iludido pela influência persistente do perseguidor, não percebe sua condição de subjugação. Por acreditar estar no controle de seus próprios pensamentos e decisões, ele tende a rejeitar qualquer tentativa de auxílio externo. Além disso, raramente recorre à prece como meio de proteção e fortalecimento, o que favorece a manutenção do vínculo obsessivo e dificulta a possibilidade de uma intervenção eficaz.
¹ O fenômeno de poltergeist será tratado de forma individualizada em um capítulo subsequente desta obra.
² Para um maior aprofundamento sobre o tema da possessão, recomendamos a leitura do livro Condomínio Espiritual, de Hermínio Corrêa de Miranda, além dos artigos As Três Faces de Eva (publicado na Reformador – Dezembro de 1959) e Sybil – O Drama da Possessão (publicado na Reformador – Março de 1974), ambos do mesmo autor.
Texto extraído do livro Mediunidade com Kardec de Patrick Lima.
Capítulo 7: Obsessões
Pergunta 67: Obsessão, fascinação, subjugação e possessão: como Kardec as distingue?
Como citar: LIMA, Patrick. Mediunidade com Kardec. Poverello Edições, 2023. 1ª ed.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Salvador Gentile. 9ª edição. Editora Boa Nova, 2004.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. 21ª edição. Editora Boa Nova, 2017
KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos – outubro de 1858. Tradução de Julio Abreu Filho. Edicel; 2ª edição, julho 2002.
KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos – agosto de 1863. Tradução de Julio Abreu Filho. Edicel, 1ª edição, julho de 2002.
KARDEC, Allan. A Gênese. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. FEB Editora, 2013.
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