No artigo intitulado Escolhos do Médium — edição de fevereiro de 1859 da Revista Espírita —, Kardec afirma que, à primeira vista, a mediunidade parece um dom tão precioso que não deveria ser partilhado senão por almas extremamente elevadas. Entretanto, a experiência prova o contrário, pois encontramos mediunidade potente em criaturas cuja moral deixa muito a desejar, enquanto outras, estimáveis sob todos os aspectos, não a possuem.

Buscando nos elucidar quanto ao uso correto da mediunidade, o mestre lionês, com profundidade e sabedoria, trata dessa temática em diversas passagens de suas obras.
Em O que é o Espiritismo, o codificador afirma que a mediunidade é um dom de Deus (como todas as outras faculdades), que se pode empregar tanto para o bem quanto para o mal, e da qual se pode abusar. Seu fim é pôr-nos em relação direta com as almas daqueles que viveram, a fim de recebermos ensinamentos e iniciações da vida futura.
Aquele que dela se utiliza para o seu adiantamento e o de seus irmãos — prossegue Allan Kardec —, desempenha uma verdadeira missão e será recompensado. O que abusa e a emprega em coisas fúteis ou para satisfazer interesses materiais, desvia-a do seu fim providencial, e, tarde ou cedo, será punido, como todo homem que faça mau uso de uma faculdade qualquer.
No capítulo XXIV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec retorna a este tópico ao destacar:
“Deus outorgou faculdades ao homem e lhe dá a liberdade de usá-las, mas não deixa de punir o que delas abusa. Se só aos mais dignos fosse concedida a faculdade de se comunicar com os Espíritos, quem ousaria pretendê-la? [...] A mediunidade é conferida sem distinção, a fim de que os Espíritos possam trazer a luz a todas as camadas, a todas as classes da sociedade, ao pobre como ao rico; aos retos, para os fortificar no bem, aos viciosos para os corrigir.”
POR QUE A MEDIUNIDADE NÃO É UM PRIVILÉGIO DOS HOMENS DE BEM? Na segunda parte de O Livro dos Médiuns (cap. XX), Kardec pergunta aos Espíritos:
— Sempre se disse que a mediunidade é uma graça, um dom de Deus, um favor. Por que, então, não é privilégio dos homens de bem, e por que se veem pessoas indignas que são dotadas em alto grau e que as desperdiçam?
Diante dessa indagação, os Espíritos superiores respondem que todas as faculdades são favores dos quais devemos dar graças a Deus, pois há homens que delas são privados. Poderiam perguntar porque Deus dá uma boa vista a malfeitores, agilidade aos gatunos, eloquência àqueles que dela se servem para dizer coisas más. A mesma coisa com a mediunidade: pessoas indignas são dotadas, porque têm mais necessidade que as outras para se aperfeiçoarem; pensam que Deus recusa meios de salvação aos culpados? Ele os multiplica sob seus passos. Ele os coloca nas mãos, cabe a eles aproveitar.
Logo, a mediunidade não depende da qualidade moral do seu portador. Ela se manifesta em diversos meios, independente de moralidade ou qualquer outro atributo. Sendo assim, a mediunidade pode eclodir de forma ostensiva em pessoas desprovidas de uma moral elevada, assim como, pode surgir sutilmente e/ou quase nulamente em pessoas com elevados valores ético-morais.
Convém lembrar que o fato da mediunidade se apresentar de modo ostensivo em inúmeras pessoas, não significa necessariamente que estes indivíduos sejam almas nobres e de grande envergadura, missionários com grandes feitos a realizar. Da mesma forma, quando surge sutil, sem grandes embaraços, não significa que o seu portador não tenha um objetivo a desenvolver.
MISERICÓRDIA DIVINA
O autor espiritual Manoel Philomeno de Miranda, em Mediunidade: Desafios e Bênçãos, pela psicografia de Divaldo Franco, destaca que os indivíduos maus, orgulhosos e corrompidos apresentam-se, portanto, com faculdades ostensivas por misericórdia do amor, a fim de que sejam, eles mesmos, os instrumentos das advertências e orientações de que necessitam para uma existência de retidão e de equilíbrio, com alto discernimento e respeito dos objetivos da caminhada terrestre.
Texto extraído do livro Mediunidade com Kardec de Patrick Lima.
Capítulo 6: Aspectos Morais da Mediunidade
Pergunta 55: Por que a mediunidade não é um privilégio dos homens de bem?
Como citar: LIMA, Patrick. Mediunidade com Kardec. Poverello Edições, 2023. 1ª ed.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos – fevereiro de 1859. Tradução de Julio Abreu Filho. Edicel Editora; 4ª edição, março de 2020.
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. FEB Editora, 2016.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. 21ª edição. Editora Boa Nova, 2017.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Salvador Gentile. 9ª edição. Editora Boa Nova, 2004.
FRANCO, Divaldo Pereira (psicografia). Mediunidade: Desafios e Bênçãos. Manoel Philomeno De Miranda (espírito). Editora LEAL, 2019.
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